domingo, 6 de dezembro de 2009

Gerardo Mello Mourão



Invenção do mar

Canto I


7

Naquele tempo - tempo de aurora
fazíamos perguntas às estrelas e as estrelas
perguntavam às velas
das insensatas caravelas:

"que ventos quereis levar?
quereis os ventos da terra
ou quereis ventos do mar"?

- Só os ventos, Pedrálvares, os ventos
de navegar - pois,
navegar navegando é nosso fado e nosso cio.


8

E os cavaleiros do mar galopam as águas
no sertão do mar
e as mãos salgadas dos marinheiros
seguram dia e noite
e aos quartos d'alva
a rédea das espumas
e navegam o espaço -
para onde?
e navegam o tempo -
para quando?
e navegam a espuma -
para que?

E em seu ofício
de navegar navegando - Girola - *
buscam no dia a noite e na noite a aurora
e os olhos de Vasco e Pedro e Manuel
e de outros que ninguém celebra
e ficaram escritos só nas águas:
um Antônio do Tejo ou do Alentejo,
um Brás da Beira (Alta ou Baixa)

um Mourão dos lados de Évora
um Sampaio de Montemor, um Mello, das terras altas,
um Ribeiro, do Concelho da Regalada, um Sebastião,
do Minho,
um Barros, um Soares de Trás-os-montes
um Afonso, um Oliveira, um Joaquim,
de qualquer ribeira de Portugal
com olhos tão enxergadores como os dos grandes capitães
espiavam as estrelas, liam as constelações, a bússola,
o astrolábio
e contavam a sombra das cifras no sextante
e por eles
os pinhos e as velas tecidas do linho das campinas
por umas Isabéis, alguma Inês de olhos redondos
iam cumprindo o mar sem outro quefazer senão
navegar navegando.

Nas espumas do mar só eu leio agora
seus nomes esquecidos
e celebro seus nomes marinheiros.

Caçavam a aventura e não caçavam nada e caçavam tudo
no sertão do mar e então o mar
era sertão e o sertão era mar:
iam em busca apenas de uma rima e de uma oitava rima
a rima rúnica dos papiros e a rima rupestre que rimasse,
Infante,
com a rima de pedra de teu promontório.

Sonhava Henrique a rima de rimar o mundo

- e assim

nesse Patmos do Algarve descobrimos:
no princípio era a rima e a rima era diante do mundo
e o mundo era a rima e o poema estava na rima
e descobrimos as rimas e
escrivão e
cartógrafo sou de rimas no papel do Egito
no papiro augusto
no papel das ovelhas da serra.


Gerardo Mello Mourão
Ipueiras - CE
(08/01/1917 - 09/03/2007)

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