Foto/Divulgação: Ricardo Prado
Dever de Casa
Ao poeta José Inácio Vieira de Melo
Eu sou um velho ator sem palco e sem platéia
Que traz no cais do peito antigas ilusões
E do pouco que sabe interpreta lições
De palhaço que alegra os meninos da aldeia
Basta o dia raiar pelas bandas da aurora
– Levanta – bate a porta – e vai ganhar a rua
Tropeça no silêncio em que flutua a lua
Restos de solidão caminhando lá fora
Esqueço a dor – o espelho – as marcas do meu rosto
– Produtos do salário em que se paga imposto
Cobrado pelo tempo e pelas fantasias
Andarilho do vento atravessando o acaso
Deixo a tarde no céu – o meu relógio atraso
E assim faço de mim a profissão dos dias
Elegia do Largo dos Quinze Mistérios
Noite
Obliquamente a noite desce
– O infinito atira para dentro dos olhos
A maré das primeiras estrelas
– No outro lado da rua
Fica o muro da casa vazia
Onde atrás do silêncio
Oculta a voz
Pálida
– Um raio de lua
Faz da lágrima
Um espelho
Noite
A noite veste sua fantasia
– Carrega nas sombras
A volúpia da vida
Longe
Na cidade maldita
Os demônios dançam
Os espectros choram
As guitarras deliram
Do outro lado do tempo
A canção é vazia
– A paixão é morta
– A estrela é fria
A palavra
A palavra é só a solidão escrita
Bilhete a um Poeta
Olha, Capinam
Chegando a Nova Iorque
Não te esqueças
escreve um poema
e manda pelo correio
Vê se as tristezas de lá
São iguais ou mais ou mais fundas
Que as tristezas daqui
Sabe (e disto não de eludas)
– pelas notícias que tenho
de outro amigo que lá esteve –
Que há muito ladrão solto
Pelas ruas e avenidas
À espreita de fama
E de cenas tão vivas
Quanto às letras de sangue
Dos crimes de mistério da Rua Morgue
Leva contigo o telescópio?
Sei que montarás –
Como navegante de rotas aéreas
Um pequeno observatório
Para lua e para as estrelas
– Dizem até que o céu é de prata
Além e por cima dos arranha-céus de vidro
Tira o primeiro domingo
E vai a Washington
E vê quantas manchas de sangue
Salpicam os muros
As paredes
E os vitrais da Casa Branca
Escuta se chega
Através do vento
Do dia e da hora
O eco das vozes
Oprimidas do mundo!
(Onde se encontra
o radar eletrônico
da Agência de Informações?
– Um detector de mentiras
guardado em sete segredos
que capta a dor em alegria
o pranto em riso
a morte
a morte em vida?)
Ah Poeta andarilho
Não te canses agora
– Aperta a mão de cada astronauta
Ou procura nos parques
Ou na Quinta Avenida
Um jovem que tenha
No peito uma flor?
E os Guetos? E as Guerras?
E, a Bomba? E a Paz?
Nem te lembro
Mas te confesso
Que certo dia
Morri dez vezes
Quando William Calley
– o tal tenente Batman
Destruiu com a morte
A vida
E os brinquedos
Dos meninos de Mi Lay
E os mísseis?
Inverossímeis?
Não te perturbes, Amigo
A hora explode toda em chamas
De tanto espanto
Ódio – Conflito
As palavras se trituram
Em pó. Em grito
Depois
antes de teu regresso
(Máquina de filmar a tiracolo)
Quero fazer-te um pedido
– Dá um pulinho à ilha Manhattan
Para ver de perto
Se a Estátua da Liberdade
Continua de pé
ou caiu
Adelmo Oliveira
Itabuna – BA (1934)
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