O embate
Dois soldados na noite se procuram
Tendo aberto o flanco das milícias.
Desde que se pensam se perseguem
Na linha onde se crava a pontaria.
Jamais se vêem,
Mas sempre por um indício se aproximam
Quando a neblina se dispersa
E a terra amanhece remexida.
Alimentam o delírio do instinto,
São um para outro o desejo do impossível.
Entocam-se nos vãos distantes da mesma rocha,
Têm o mesmo sonho de guerra, a vida em risco.
O confronto, enquanto tarda,
É labareda.
O passo camuflado num bosque de cedros
Apanha o atalho que desemboca no infinito.
No princípio era o abrigo das trincheiras
E um inimigo sem rosto que afligia.
Houve então o duelo imaginado,
A esperança de um alvo, um rosto nítido.
Cumpriu-se-lhes armar uma estratégia
Para aguardar o adversário ao pressenti-lo.
Rompia um fim de tarde, subia o fogo,
O coração, por fora metal, se contraía.
Duas mãos tateavam o acampamento,
Mais duas mãos lavavam no rio as botas sujas.
Irmãos de uma rotina de vigília,
Traziam consigo o ódio de toda uma infantaria.
Acreditavam já se conhecer
Pelo que de si próprio conheciam.
Haviam deixado a retaguarda dos exércitos
Partindo cada qual de seus domínios.
E, mesmo que fracos, sem destino,
Quanta coragem, quanto afã: iam sozinhos.
Ainda agora planejam sua campanha,
Vão pela noite secretamente (ainda sozinhos).
Um sendo morto pelo outro,
Toda a alma da busca está perdida.
Mas não se matam, sequer se avistam:
Amam-se com o louco amor dos foragidos.
Mariana Ianelli
São Paulo - SP (1979)
Lindo poema. Primeira vez por aqui e gostei muito do que pude ler.
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