quinta-feira, 30 de junho de 2011

Martha Galrão

Foto/Divulgação: Haroldo Abrantes


A chuva de Maria


Tudo por fazer é água
que Maria acolhe
e carrega no cesto.
Chove, Maria
chora o leite derramado
lambe as letras
sorve o leite
pranteia seus amados,
Maria.



Palavras


Uma palavra lasciva: delícia,
uma palavra dengosa.

Duas palavras alegres: peteca e
manhã.

Uma palavra tensa:
tempo.

Uma palavra firme: chão.
Duas palavras tristes: dor e saudade.

Uma palavra livre:
beija-flor.



Cigarras


Cigarras são palavras femininas
mas é no abdome do macho
que os timbais implodem.

O canto estridente masculino
convida as fêmeas para a morte.
A lamúria das cigarras
é só dos machos.
Será remorso?

O grito cortante
lamenta as ninfas que descem
e se enfiam, e se escondem e se enterram
para em silêncio sugar
a seiva das raízes.

As cigarras ignoram suas asas
grandes, transparentes e bordadas,
agarram-se aos troncos e galhos
para espalhar em uníssono
seu canto doloroso e amargo.

Ao entardecer,
hora mais triste do dia,
os machos choram
até rebentar minhas costas.

Sob o canto lancinante
das cigarras
eu e as lobas uivamos
dolorosas.



O afogado mais formoso do mundo


Você é o afogado
mais bonito do mundo

Retiro do seu rosto branco
os matos de sargaço
e os filamentos de medusa

Revelo a beleza
de suas sobrancelhas ruivas
incandescentes
rubras.


Martha Galrão
Salvador – BA (1966)

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