quinta-feira, 16 de junho de 2011

Léa Madureira Lima




As cercanias do outono


Sementes pulam das gavetas
buscando a promessa do chão.
Agulha e linha costurando
a indiferença de retalhos.
Da ríspida palavra, o corte.

No emboço da parede, a angústia
resistia à demolição.
Do adulto a permanente infância,
memória visitando a dor.
Perdidas vozes, brincadeiras.

Não conheço o tranquilo voo
do azul em lassidão de outono.
Nua é, das asas, a incerteza
da liberdade. E a solidão
em metamorfose do sono.

O riso refletido em taças
de cristal, os dedos feridos.
Da louça inglesa vão-se os cacos.
E o estardalhaço de talheres
zomba da casa em cinza e prata.



O destino


Não possuo a chave.
Não sei quantos passos.
O sermão renego,
se o caminho é pássaro,
atingido ao laço.
Que o destino é um bêbado
conduzindo o cego.

Já dancei o frevo
e deixei o palco:
meio às palmas, o eco.
Me encontrei num trevo
de Brasília ao medo.
Que o destino é um bêbado
conduzindo o cego.

Não sei onde quero.
Não sei quantas voltas.
Me envolvi no afeto
que essa dor acorda
ao fechar a porta.
Que o destino é um bêbado
conduzindo o cego.

Quantas vezes devo
vaguear à noite.
Se me perco é certo
perceber indícios,
pedra limo esguicho.
Que o destino é um bêbado
conduzindo o cego.



As cores do pasto


Arames nos moitões dos alambrados
tranquila inquietude, às cores do outono.
O milharal, sob pendões descansa
em meio ao verde, amarelados...
Dançam rebanhos e cercas
imersas na alquimia. Cantando, torcendo
a roupa na tina, as mulheres.
Fortuita, encolhe-se a angústia
...dos que têm fome,
dos que morrem de vontade.

Cavaleiros ao tronco laçam reses.
Encurralado o gado no vermelho
matizes do eito, não mastiga mais.
Atípico inverno fustiga a ilusão
...dos que secam de desejo,
dos que ardem.

O branco e o azul contemporâneos,
a mesma raça, além, do nome, o mesmo ser
que do contexto verdadeiro da história,
abre o verbo, grita e muge, seca arde morre
e no processo age – ruminante é o pasto.


Léa Madureira Lima
Rio de Janeiro – RJ (19??)

Um comentário:

  1. Muito me honra participar desse projeto de José Inácio, junto a tantos que cantaram bem e levam seu canto a toda gente. Além de ter uma poesia fecunda e vibrante, ele sempre cria novos espaços, fazendo com que o apelo do poema alcance a canção dos dias! Muito grato, amigo! Parabéns, pela órbita que expande luz!

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