terça-feira, 23 de novembro de 2010

Adília Lopes


Foto/Divulgação: Graça Sarsfield


As rosas com bolores


Tenho sempre perto de mim
geralmente na minha mesa de cabeceira
um ramo de rosas
todas as manhãs a primeira coisa
que faço quando acordo
é observar atentamente as rosas
a ver se algum bolor poisou
na pele das rosas
quando isto acontece
é muito raro
mas eu gosto de coisas preciosas
e sou pacientedeixo de dormir
para observar o crescimento
desigual e lento do bolor
a pouco e pouco o bolor
vai cobrindo a pele da rosa
ou antes
alimentando-se da pele da rosa
adquire o feitio da rosa
mas a pele da rosa
não está por baixo do bolor
desapareceu
e preciso estar sempre atenta
porque no instante em que
o bolor não pode alastrar mais
a não ser alastrando-se sobre
si próprio
e alimentando-se de si próprio
ou seja suicidando-se
naquele acto de infinito amor
por si próprio
que é afinal todo o suicídio
a rosa pode andar pelos seus pés
antes de ela partir
beijo-a na boca
depois ela parte
e desaparece para sempre da minha vida
então eu vou dormir
porque estou muito cansada
as rosas com bolores cansam-me


Adília Lopes
Lisboa - Portugal (1960)

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