quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Hans Magnus Enzensberger



O naufrágio do Titanic

Canto oitavo


Água salgada na quadra de tênis! Irritante, sem dúvida,
mas pés encharcados não são o fim do mundo.
As pessoas ficam sempre muito ansiosas com o fim,
como suicidas em busca de um álibi, perdendo
assim o controle e o pulso da situação.
Quem gostaria de se afogar, ainda mais com dois graus negativos?
Se, no momento do perigo, a opinião dos passageiros
não tem o equilíbrio desejável,
paciência! Afinal, eu mesmo estou aqui sentado, tiritando,
neste maldito vapor, primeira classe, é verdade,
e com uma taça de porto de uma safra, por sinal, memorável.

Mas supondo que o Titanic de fato vá a pique,
o que eu pessoalmente considero fora de cogitação – sou engenheiro,
nunca fui muito dado a fantasias –, e daí?
Para que tanto alarde? De um ponto de vista puramente estatístico,
a todo momento algumas dúzias de navios estão em apuros
e ninguém dá a mínima, só porque se chamam Rosalinda II
ou Boa Vista e não Titanic! Ou vice-versa:
pensem nos milhares de embarcações em trânsito
pelos sete mares que atracarão em seus portos de destino
pontualmente e incólumes, ainda que nós nos afoguemos.

Aliás, toda inovação remonta a uma catástrofe:
novas ferramentas, teorias e sentimentos – isso se chama evolução.
É por isso que eu digo: mesmo que se admita, só para argumentar,
que todos os navios afundem num único e mesmo dia,
não teríamos alternativa senão inventar alguma outra coisa:
enormes veleiros aéreos, baleias amestradas, nuvens de ferro.
ou então levar vidas estáticas. As árvores fazem isso há muito tempo,
com notório sucesso. E se nada nos vier à cabeça – pior para nós.
Afinal de contas, outras formas de vida já se extinguiram
para nosso benefício, é bom que se diga. Onde estaríamos hoje
se os pterossauros e os mamutes não tivessem, em determinado momento,
topado com certos problemas que seus cérebros
não foram capazes de resolver? Entendem o que eu digo?

De tudo isso concluo que é inútil considerar todo episódio
que por acaso envolva um de nós, como por exemplo
a nossa própria morte, de um ponto de vista muito restrito.
O que lhes digo, como bebedor de vinho do porto e engenheiro,
Não tem nada de novo, obviamente, e é por isso que afundo.


Hans Magnus Enzensberger
Kaufbeuren – Alemanha (1929)

Tradução: José Marcos Mariani de Macedo

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