sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Luís Antonio Cajazeira Ramos


Foto/Divulgação: Ricardo Prado
  

Véspera do dia dos mortos 


Eu não amei meu pai como devia.
Houve o dia de amá-lo e não o amei.
Ele morreu, e não nasci ainda.
Amanhã levantei sem seu amor.

Nenhum conselho amigo soa seu.
Uma vida padrasta me acompanha.
Meu caminho não quis olhar pra trás.
Tão longe de meu pai me abandonei.

Nem meu, nem de ninguém, nunca fui seu.
Não me quis dar a quem eu estranhava.
Só teu colo, mamãe, era aconchego.

Do pai, resta-me um calo de silêncios.
Ai, arranco do peito o corpo estranho.
Coração, cava o chão, busca meu pai.



O amor de minha vida


Eu, por exemplo, gosto é de foder.
Bem sei (será que sei) o quanto amar
seja lá o que for tem seu lugar,
mas foder por foder é mais prazer.

Amo a só superfície que há na pele,
a visão duma boca subjugada,
apascentar um cu, gozar em cada
posição que a libido me revele.

O pau, que é sempre alerta, um dia cansa,
e o que fervia o sangue na cabeça
esfria o cavernoso da lembrança.

Resta-me, então, foder aqui e agora.
Portanto, perdição, goze e me esqueça.
Eu sou o amor que pica e vai embora.



A tribo dos sem-tudo

Ao olhar preciso de Glauco Mattoso


Mulher nasceu pra ser dona de casa.
Viado que se amostra leva pau.
Preto tem lugar certo na senzala.
Pobre tem bom sustento no lixão.

Idoso é pra morrer no asilo: isola!
Menor abandonado viva à sorte.
Nascendo deficiente, joga fora.
Delinquiu, paredão, pena de morte.

Sabe esses grupos socioculturais
das minorias e dos marginais?
Devemos expurgá-los do Brasil!

Antes que esqueça, a dica derradeira:
quem nasceu por aí, de mãe solteira,
vá se foder na puta que o pariu.



Pantomima


Os melhores cordeiros da fazenda
seguirão para o abate na cidade.
Os carneiros mais fracos do rebanho
serão sumariamente degolados.

O bode velho vai pro sacrifício,
por mais que seu olhar peça clemência.
Nem mesmo as cabritinhas inocentes
terão misericórdia ou esperança.

As carnes assarão ao sol: fogueira.
As peles secarão ao sol: curtume.
As vísceras suarão ao sol: carniça.
Os ossos sumirão ao sol: poeira.

Somente a ovelha negra fica impune,
enquanto o bom pastor toca sua flauta.



Religião poética

A José Inácio Vieira de Melo


Como negar a inspiração, que invade
incontrolavelmente, fera abrupta,
se neste instante, em contraponto, a luta
que me consome é que não seja um vate?

Vazio em sentimentos, nu de idéias,
ímprobo ao rabiscar banalidades,
enquanto a bel-poesia, nas cidades,
abraça as coisas-fofas e as mocréias.

Mas eu, na compulsão de ser adúltero
(pois que na solidão traio a mim mesmo),
aborto o verso e parto um poema rústico.

E o mundo, afeito, dorme em alegria,
qual útero fecundo dos perfeitos,
enquanto eu busco, imperfeito, a poesia.


Luís Antonio Cajazeira Ramos
Salvador – BA (1956)

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