Foto/Divulgação: Márzia Lima
Rastro
Somos todos feitos da poeira de estrelas.
Elas apenas tangenciam nossos sonhos
inscrevendo-os na pele do infinito.
O grão de brilho puro
rouba sua luz da memória do sol.
E, em sendo lembrança só,
gira fugidio à orla do céu imenso.
Há, na trama retecida da minha alma,
um ressoar silente como o das estrelas,
a que chamo angústia,
apesar da poeira luminosa e viva
que trago debaixo dos pés.
Memória Filogenética
Meu corpo, parco limite terrestre,
é todo feito do sobejo das estrelas caídas.
Soterradas, elas exploram os subterrâneos de meu afeto,
iluminam minhas vilezas,
descortinam o que há de pérfido,
e vão.
Revelam os cantos carcomidos pela espera,
apontam crimes e pecados
apenas sonhados.
Mas é na superfície absurda do sonho
que vivo.
Numa esfera delicada por onde olho o mundo.
Resto de astro celeste que sou,
brilho ainda quando tudo em mim se faz escuro
e breu.
E há sempre um espaço ínfimo,
no cerne da palavra jamais dita,
onde se abre um flanco pálido de luz.
Canção do Silêncio
Um carnaval me atravessa violento,
meus ouvidos apenas digerem algo do que se ouviu,
numa oficina lenta de mastigar palavras.
Minhas gengivas sangram mudas,
tanto colorido de pura sofreguidão
é como a morte nos descampados da primavera
imensa.
Para além da flor em seu perfume,
há a vespa e o áspero do seu ferrão.
Meu grito de dor e calma,
este mesmo que vaza grosso de meus olhos,
imita a voz das cigarras.
Amigo,
aprenda agora
que a cigarra não morre cantando.
Jamais.
Dentro dela vive uma ferida sem remédio,
ela abriga no seu ventre
um corte nascido de dentro,
que dilacera as entranhas.
No seu ventre moram medos insondáveis.
E um corte que sangra alto.
Toda cigarra,
como eu,
morre gritando!
Lívia Natália
Salvador – BA (1979)
Sim, Lívia, do sobejo ou do pó, somos feito das estrelas. Somos estrelas. Parabéns por sua emocionante poesia. Beijinhos.
ResponderExcluirObrigada, Mazé! Um abraço, LN
ResponderExcluirQuero seu livro. Estou em Lisboa como posso adquiri-lo?
ResponderExcluir