mektoub
a luminosidade é uma placa de zinco suspensa
do céu do deserto
em redor
a imensidão das areias vibra contra o caos
de pedra e de eufórbios que se multiplicam
a perder de vista
o bafo inquieto dos cavalos acende
a pólvora das festas inesperadas
uma coruja morre
no cimo açucarado da tamareira
caminhas
sitiada pelo canto agudo do muezzin
chamando à oração
mektoub
sítios onde a vida cessou e tudo está escrito
há séculos – onde o coração dos homens
é uma rosa nómada e calcária
no limite da escassa água e desta terra seca
mal abençoada – caminhas
na plana noite das ardósias
nas jeiras de súplicas e recolhimento onde
talvez se esconda
o contorno quase terno do rosto de deus
incêndio
se conseguires entrar em casa e
alguém estiver em fogo na tua cama
e a sombra duma cidade surgir na cera do soalho
e do tecto cair uma chuva brilhante
contínua e miudinha – não te assustes
são os teus antepassados que por um momento
se levantaram da inércia dos séculos e vêm
visitar-te
diz-lhes que vives junto ao mar onde
zarpam navios carregados com medos
do fim do mundo – diz-lhes que se consumiu
a morada de uma vida inteira e pede-lhes
para murmurarem uma última canção para os olhos
e adormece sem lágrimas – com eles no chão
febre
sopra um vento pelo peito do mareante – vento
cinzento capaz de apagar os gestos que restam e
de limpar os passos incertos pelas ruas do cais
vento
um vento que te sacode as veias os tendões
faz vibrar os músculos e a mastreação – como a árvore
que se desprende das entranhas do mar
corre
corre um vento pelas fissuras da pele – vento
de pó enferrujado abrindo feridas nos animais vivos
colados à memória onde
uma serpente mergulhou no sangue e
desata a fulgurar
sopra um vento pelo peito do mareante
desperta a florescência pálida do plâncton – varre
a noite e lava as mãos dos condenados à morte
corre um vento
vento de febre – sismo de orquídeas que acalma
quando acendes a luz e abres as asas
vibras e
levantas voo
Al Berto
Coimbra – Portugal
(11/01/1948 – 13/06/1997)
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